Florence Dagostini no Café com Fika: o Inesperado na Criação de Produtos
- Tarcila Zanatta
- 7 de abr.
- 6 min de leitura
Atualizado: 28 de abr.
Florence Dagostini transita entre o design gráfico e as artes visuais com um olhar intuitivo e experimental. À frente da DaDa, sua marca de estampas autorais, ela transforma colagens em composições que desafiam o olhar e exploram a beleza do imperfeito. Inspirada pela arte abstrata, pelo artesanato e até pela inventividade da gambiarra, seu processo criativo é um equilíbrio entre técnica e liberdade.
No Café com Fika, Florence compartilha suas referências e fala sobre a relação com a colagem, refletindo sobre como a experimentação pode abrir novas portas para o design de estampas e acessórios para a casa.

O que mais te inspira no design e no processo criativo? Quais são as referências que você sempre retorna?
Eu acho que, como alguém que estudou artes visuais e trabalha com design, as artes plásticas são uma inspiração onipresente. Artistas como Matisse, Sean Scully, Ellsworth Kelly são grandes inspirações. Arte abstrata de forma geral me interessa muito, porque ela é muito aberta e o tempo todo te provoca a repensar paradigmas visuais.
Mas, mais do que isso tudo, tem aspectos da nossa cultura que são fascinantes pra mim e sempre chamaram muito minha atenção. A “gambiarra”, por exemplo, é um desses aspectos. Esse jeito inventivo de fazer as coisas com o que se tem à mão, na maioria das vezes imperfeito, mas sempre muito inteligente, eu acho altamente inspirador. Sou muito mais atraída pela imperfeição, pela assimetria, pelo rústico, do que pela tentativa de perfeição. Acho que por isso desde muito cedo eu me interessei pela arte popular e pelo artesanato. Eles tem esse saber empírico que é transmitido de geração pra geração, e essa relação manual e sensorial com a matéria que é muito direta. É uma forma de criar muito crua, que indiretamente me inspira muito no que eu faço.
A colagem é uma técnica essencial na DaDa. O que ela permite criar que outros processos não permitem?
No meu caso, escolhi trabalhar com colagem porque ela me permite lidar naturalmente com as imperfeições, as assimetrias e com o “erro”. Embora essa não seja uma exclusividade da colagem, com ela eu encontrei mais facilidade para trazer esses elementos ao processo criativo. Há uma contradição porque a minha essência é mais maximalista e colorida, mas quando trabalho com design gráfico (minha outra área de atuação), geralmente há essa tendência de sempre buscar os alinhamentos, os grids, a acuidade visual. Com a colagem, quero justamente o oposto disso. Não quero pensar muito por esses parâmetros. Muitas vezes, escolho pedaços de papel que são sobras de outras colagens e me desafio a trabalhar apenas com esses pedaços, sem cortar mais nada. Isso foi uma quebra de paradigma no meu processo criativo e me libertou de certos padrões e julgamentos. Eu acabei criando uma relação mais íntima com essa técnica por esse espaço de liberdade que ela me permitiu encontrar. Tem uma história interessante sobre o Matisse e a colagem. Ele pintou quase a vida toda e passou a se dedicar à colagem quando já estava debilitado em uma cadeira de rodas. Apesar de ter se dedicado por mais tempo à pintura, ele disse que foi só com a colagem que ele encontrou a síntese que procurava entre cor e forma - algo que ele tinha buscado a vida toda com a pintura. Ele chamava a colagem de “pintar com papel’ e eu gosto muito dessa expressão, porque eu acho que ela define bem o potencial dessa técnica.

O trabalho da DaDa foge do convencional, mas sempre com um olhar técnico e refinado. Como você encontra esse equilíbrio entre o inesperado e o preciso?
Para mim é um processo muito mais intuitivo do que qualquer outra coisa. O que eu sei é que mesmo trabalhando desde 2018 com a DaDa eu nunca quis parar de atuar como diretora de arte e designer gráfica, porque eu acho que são atividades que se complementam muito bem. Então, o trabalho com o design gráfico exige sempre esse olhar rigoroso e preciso voltado para o layout, a tipografia, a paleta de cor etc. E com a DaDa o que eu faço é desafiar exatamente esses paradigmas todos, então talvez essa seja uma combinação que me ajude a encontrar o caminho do meio entre o inesperado e o preciso.
Tem um momento em que você sente que uma estampa está finalizada, ou sempre dá vontade de seguir experimentando?
Essa é uma boa pergunta. Com o tempo, a gente vai refinando a sensibilidade e, quanto mais intimidade você tem com uma técnica, mais fácil fica identificar quando a composição já está legal. Mas, no meu caso, sempre rolou uma tendência de querer adicionar mais coisas à colagem. Com o tempo, fui tentando treinar o olhar para saber a hora de parar, porque às vezes o que está ali já é o suficiente. A ideia de simplificar e fazer mais com menos também passou a ser importante. Tecnicamente, eu criei alguns truques para evitar estragar a colagem só por ter avançado mais do que precisaria no processo de compor. Quando sinto que está ficando bom, tiro uma foto para registrar aquele momento, e então começo a sobrepor outros pedaços de papel, mas sem colar. Aí, comparo a foto que tirei com o ponto atual da colagem e, na maioria das vezes, percebo que já teria sido melhor parar lá atrás. Se for esse o caso, volto e tiro os elementos a mais, retornando ao ponto registrado na foto e finalizo por ali. Isso é algo bem pessoal, um processo que desenvolvi depois de estragar colagens várias vezes, por ter ido longe demais.

Quando precisa dar uma pausa para se inspirar, tem algum ritual ou hábito que sempre funciona para você?
Eu não sou uma pessoa de muitos rituais, mas quando percebo que eu estou esgotada criativamente, ou sem inspiração e sem vontade de criar, geralmente o que funciona pra mim é me afastar de tudo o que é relacionado a design e me voltar pra outras coisas. Na verdade esse é um hábito que eu tento manter: cultivar outros interesses fora das artes e fora do design. Eu gosto muito de ler ficção e estar perto da natureza. Mudar a perspectiva sempre que possível, sair da frente das telas e olhar para o horizonte. Ir para o mato é um santo remédio. Se não dá para ir para o mato, um passeio na feira, na 25 de março ou numa loja de armarinhos bem cheia de bugigangas é sempre inspirador pra mim.
O que você diria para alguém que quer criar com mais liberdade, sem medo de errar?
Eu não sei se eu já consegui, de fato, me libertar do medo de errar. O que eu posso dizer é que, no meu caso, o que funcionou através da DaDa foi buscar formas de criar, técnicas e linguagens que me desafiassem nesse sentido. Processos criativos que te coloquem em um lugar de vulnerabilidade, quase como uma criança que está aprendendo alguma coisa nova. Antes de começar a DaDa, eu resolvi fazer aulas de tecelagem, por exemplo. Aquilo foi muito desafiador, porque era algo que eu nunca tinha experimentado e, portanto, errava demais, me frustrava. Estar nesse lugar de não saber é muito renovador pra mim.
E ainda assim, mesmo fazendo isso, conforme o tempo passa você vai ficando mais confortável naquilo que você se propôs a experimentar e naturalmente vai criando processos e formas de julgar o próprio trabalho novamente. Vai limitando o jeito de fazer porque você já fez várias vezes e já sabe, mais ou menos, o que fica bom e o que já deu errado. Então mesmo com a DaDa eu caio nesse lugar muitas vezes. Acho que o importante é a gente ter consciência disso, estar sempre presente no momento de criação e observar esses processos acontecendo, para tentar na medida do possível retornar àquele lugar de vulnerabilidade que você buscou no começo.
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